Jiu Jitsu ou Jujutsu? A raiz da palavra
Anos atrás, quando iniciei a prática do Jiu-jitsu brasileiro, e comecei a estudar a história desta arte marcial, me deparei com a boa e velha história de Jiu-Jitsu que nasceu da Índia. Naquela época, ainda não tinha informações suficientes para contestar esta versão, afinal de contas, muitas são as versões de origem (quero dizer que não somente no jiu-jitsu brasileiro) que remetem à Índia como seu embrião.
Uma das primeiras coisas que me chamam atenção ao pensar em origem de algo, é em sua análise etimológica. Principalmente em termos de arte marcial, esse sempre me pareceu um caminho nada mais que lógico. Pensemos assim: já que cada estilo de arte marcial foi criado por alguém, alguém criou um nome para identificar o estilo de luta que havia criado, ou seja, este é o momento em que o próprio autor percebe a inovação daquilo que criou.
Claramente isto não é uma regra, mas um ponto de partida. Em determinados casos o nome é atribuído por eventos externos, ou mesmo após a morte do criador daquela arte marcial. Podemos citar aqui, por exemplo, o Aikido Shodokan de Tomiki Kenji, ou mesmo o próprio Jiu-Jitsu Brasileiro, que passou a ser BJJ muito e muitos anos após a fundação da Academia Gracie. Ainda assim, mesmo nesses casos, sem saber a origem do nome de uma arte marcial dificilmente entendemos a cultura de onde ela vem, ou dos estilos de onde ela deriva.
Não é de se espantar, levando o acima exposto em consideração, o quanto a incongruência de um estilo de nome japonês ter nascido da Índia. E aqui não me refiro a uma origem por derivação. Pensando em derivação, como uma grande linhagem das lutas, teríamos que remeter a origem de qualquer luta à algum homem da caverna que em determinado momento sistematizou seu primeiro estilo, que de tal forma derivou a forma primitiva das mecânicas que usamos hoje. O meu entendimento é outro; quando falamos em conhecer como algo foi criado, regra geral, estamos interessados naqueles indivíduos que participaram diretamente do evento geracional, ou da formação do mito criador. Aquele individuo carismático (no entendimento Weberiano) que deu origem ao sistema tradicional advindo de sua criação.
A palavra Jiujitsu ou Jujutsu (ou qualquer formato do nosso alfabeto que você queira utilizar) na verdade se escreve em 柔術. Este talvez seja um ponto pouco discutido, mas muito relevante, afinal de contas tenho a impressão de que quem usa a versão “Jujutsu” acredita parecer mais inteligente pelo único fato de usar um sistema de adaptação do qual nem mesmo está familiarizado. Desta forma, recomendo à pesquisa sobre o sistema Hepburn de onde deriva a versão Jujutsu. Para ser mais claro, o kanji de Jujutsu (irei adotar Jujutsu a partir de agora para facilitar a leitura do texto) 柔術 é lido em Hiragana (silabário da língua japonesa) da seguinte forma:じゅうじゅつ. Então, traduzindo foneticamente teríamos algo como DjyuuDjyutsu. Em outras palavras, as formas de escrita no nosso alfabeto são variações adaptativas para reproduzir o som da palavra japonesa.
Vencida esta primeira questão, vamos para o ponto central de toda esta discussão: Quando, e por quem, foi criada (ou usada) a palavra Jujutsu para descrever uma arte marcial?
“O ideograma "" ju "provavelmente deriva de uma passagem no antigo tratado militar chinês, o San-Lue (San Ryaku em japonês), que remonta ao período chinês da primavera e do outono (722-481 a.C.). A passagem em questão declara "Ju yoku sei go"(柔能制刚) ou "A suavidade controla bem a dureza". Isso deu origem à ideia popular de que, para derrotar uma força mais forte, uma força mais fraca nunca deveria tentar usar resistência. Quando aplicado ao agarrar em combate próximo, isso significava que a força mais fraca deveria se submeter a ser empurrada, a fim de anular a força de ataque. Trabalhar a favor em vez de contra uma força de ataque ajudará a desequilibrar um atacante e tenderá a fazê-lo cair.” (Serge Mol, Classical Fighting Arts of Japan)
A partir do final do período Azuchi Momoyama, e a partir do início do período Edo, os sistemas de combate japoneses se especializaram, tanto em organização, como classificação. Isto é, a prática guerreira que por muito tempo era feita de maneira integral passou a se dividir em sub-especializações por seus métodos como por exemplo: Kyujutsu (técnica com arco e flecha), Kenjutsu (técnica com a espada), Bojutsu (arte com o bastão). Por vezes esses sistemas eram conhecidos como Kakuto Bugei. Esses métodos eram fundados e mantidos por grupos organizacionais tradicionais familiares denominados Ryu e, a partir deste período se observa a progressão com que o sistema de certificação se torna predominante para o florescimento de novas escolas de artes marciais. Ou seja, a legitimidade (ainda em Weber) provém de estruturas não consanguíneas chamadas ryu-ha. Podemos descrever, portanto, ryu ou ryu-ha como uma maneira distinta em que um grupo desenvolve um estilo classificado dentro de um sistema de Bugei. Dessa forma, cada ryu ou ryu-ha poderia ter diversas escolas e, poderiam gerar sub-estilos de forma que mais de sete mil diferentes ryu e ryu-ha foram catalogados no Japão. Aqui ressalto quando Jigoro kano, por algumas vezes, traça o início do Jujutsu entre 1600 e 1650, ele se refere a esse momento histórico.
Talvez a principal versão do surgimento da palavra Jujutsu esteja descrita no livro Classical Fighting Arts of Japan. Segundo o autor, Serge Mol, o termo Jujutsu somente foi usado a partir de 1630, por Sekigushi Ujimune Jushin a partir do termo “yawara”. Jushin, fundador da escola Sekiguchi Ryu, apesar de ter estudado uma variedade de artes marciais era iletrado e, por esse motivo não conseguia encontrar um nome que correspondesse a seu próprio estilo. Seu empregador à época ordenou então que alguns estudiosos versados nos clássicos chineses desenvolvessem este nome. Eles começaram com o ideograma “Ju”, cuja leitura em japonês é yawaraka. O final “Ka” foi deixado de lado permanecendo somente yawara. Essa teoria tendo sido registrada no documento Jushin Sensei Den. Ainda assim, é necessário esclarecer que outras versões sobre a utilização do termo por esse estilo existam.
Outra questão a ser destacada é de que, anteriormente à utilização do termo por este estilo, outros estilos hoje reconhecidos como tradicionais do Jujutsu no Japão já existiam. O caso do Takenouchi Ryu, o mais antigo estilo de Jujutsu praticado ainda nos dias de hoje é emblemático. Isso porque antes (e até conjuntamente) com a palavra Jujutsu, outras palavras eram utilizadas para classificar a mesma especialização marcial. Eventualmente o termo Jujutsu parece ter se favorecido em comparação com as outras nomenclaturas e, mesmo estilos (como o Takenouchi Ryu) criados anteriormente ao termo, foram classificados posteriormente dentro da “sub-espécie” Jujutsu. Jujutsu se tornou palavra comum a partir do século 17.
“Na minha opinião, o jujutsu tradicional pode ser definido de maneira mais apropriada como: Um método de combate corpo a corpo. desarmados ou empregando armas menores, que podem ser usadas de maneira defensiva ou ofensiva, para subjugar um ou mais oponentes desarmados ou armados. Esta definição inclui dois elementos muito importantes. Primeiro, a pessoa que usa jujutsu não precisa necessariamente estar desarmada. Um bushi (guerreiro) dificilmente ficaria completamente sem armas; portanto, uma definição precisa não implica que uma pessoa que usa jujutsu deva estar desarmada. Isso poderia significar apenas que, por qualquer motivo, não poderia, ou não iria, usar de suas armas maiores, o que para o bushi significaria espada, lança, naginata e similares.” (Serge Mol, Classical Fighting Arts of Japan)
Para encerrar, conceituar o que é Jujutsu é uma tarefa difícil. Dependendo do momento histórico e local, a palavra pode designar formas de luta diametralmente opostas. Se me perguntassem o que é Jujutsu, minha primeira pergunta seria: Quando? Existem diversas diferenças entre estilos do início do período Edo, para estilos do final do período Edo. Mesmo estilos de um mesmo período serão muito diferentes pelo simples fato de que seus autores possuem crenças diferentes com relação ao melhor método de vencer um combate. Enquanto um se foca em técnicas de Atemi, outro pode se focar em projeções ou torções. Ainda é do hall do Jujutsu trabalhar técnicas com armas curtas como adagas, vemos isso no caso do Takenouchi Ryu, para citar um exemplo. Estilos criados ao final do período Edo e próximos da Restauração Meiji já possuem menos enfoque em combates em técnicas de guerra, se focando em defesa pessoal e desafio entre escolas, como é o caso do Tenjin Shinyo Ryu. Não é difícil entender, a partir daí, como tanto Jigoro Kano como Morihei Ueshiba, apesar de treinarem Jujutsu, originaram artes tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas.
Tratarei sobre o desenvolvimento histórico do Jujutsu com mais detalhes em uma próxima oportunidade. Por hora, ficamos por aqui. Até a próxima!
ありがとうございました。